segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Jornal do Brasil
Domingo – 24 de outubro de 2004

Jorge Bispo – 25/7/01

Pop sem desperdícios

Influente nos bastidores da música nativa, a compositora Dulce Quental lança quarto CD

Tárik de Souza

Ex-integrante do pioneiro grupo feminista Sempre Livre (do sucesso Eu sou free), nos 80, cantora de sucessos como Caleidoscópio (Herbert Vianna) e Natureza humana (versão de Jorge & Waly Salomão para Human nature, de Michael Jackson), parceira de Roberto Frejat (O poeta está vivo, Guarda essa canção) e Cidade Negra (Cidade partida), a carioca Dulce Quental finalmente acerta os ponteiros com sua trajetória errante. O CD Beleza roubada (Cafezinho/ Sony) traz um retrato de corpo inteiro da cantora/ autora que gravou apenas três títulos sob seu nome, Délica (1986), Voz azul (1987) e Dulce Quental (1988), mas tornou-se influente nos bastidores do pop nativo. A postura cool e culta sem prejuízo da fluência do ramo reafirma-se no álbum, já lançado em Portugal. No Rio, ele será lançado amanhã, às 20h, na Livraria da Travessa de Ipanema.
Além de composições próprias, inclui parcerias com Zélia Duncan (Capuccino), Moska (Bordados de psicodélia - Rainha do mel, Fino e invisível), outra com Frejat sobre poema do americano Allen Ginsberg (Conferências sobre o nada), cuja voz ouve-se ao fundo. E mais, uma repescagem de No topo do mundo, do disco Puro êxtase, do Barão, e até uma reprodução de uma fala do recém-falecido Fernando Sabino em O escritor.
Adensado por moldura eletrônica consistente, mas sutil, providenciada pela programação de Damien Seth, Vinicius Rosa e Sacha Ambak, DQ, intérprete de alguma aspereza na voz alada, discorre sobre angústias existenciais, pontuais desencontros e até uma Receita de felicidade (''misture as palavras certas/ nuas de falsos sentidos'') que finaliza na voz da filha Alice, cantarolando o sambalanço Bolinha de sabão (Orlan Divo/ Adilson Azevedo).
Fino e invisível, aberto por piano retinindo como sino, patina na incerteza. ''Procuro aliados em quem confiar/ onde só encontro rivais com armaduras de ferro'', clama a letra. Já Nova idade das trevas (''o que eu aprendi não me serve/ o que eu conheci acabou/ o mundo já não é mais mundo''), só da cantora, esvai-se num tom sombrio rebatido por ginga e marejar de teclados.
Algo que também aguça as arestas poéticas de Bordados de psicodelia. ''Quem me fala em ponte quando eu salto no escuro/ num artefato projeto presente, passado e o futuro/ o que será de nós/ somos crianças tão velhas/ voando nos lençóis bordados de psicodélia'', interroga a letra. ''Ali entre Foucault e Shakespeare/ todas as dores do amor experimentei'', contabiliza a faixa-título Beleza roubada.
Este pop encorpado quase sem desperdícios (O escritor colide com certo óbvio) ainda encontra espaço para novas incorporações da bossa na pop Quando, antes incluída na coletânea Para sempre, de 2001. E na revisita a uma Ipanema (parceria com Thiago Trajano) ambivalente (''me ama e violenta/ me assalta e encanta'') que ainda assim acalenta esperanças. ''Pode ser o inferno, mas a ressaca tem fim/ outra janela se abre pra Ipanema de Jobim''. Dulce areja o pop recorrente, hoje conservado em naftalina.
· Lançamento do CD 'Beleza roubada' (Cafezinho/ Sony). Livraria da Travessa, às 20h. Ipanema, Rua Visconde de Pirajá, 572. Tel: 3205-9002

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